O ASSASSINATO DO CHEFE

– Do rolo, tia, sinto haver falta de sorte de Izabeli.

– De que Izabeli se descuidou Milena?
– Não sei se foi descuido, tia. Sei que estudou igual a uma condenada para disputar uma vaga na Secretaria Estrutural do Governo Federal. Passou no concurso. Porém, receosa de uma reviravolta qualquer, e assim nem tico nem taco, permaneceu no emprego aguardando pela convocação. No entanto, o chefe do setor da empresa em que trabalhava fora encontrado morto durante o expediente cuja causa atestada indicava envenenamento. Então, não imune de inocência, engrossa a lista de suspeitos. Assim, o ingresso na almejada Secretaria está pendurado.
– Mas, Milena, o indivíduo é inocente até que seja provado o contrário?
– A senhora contrataria um auxiliar suspeito de assassinato, tia?
– Não, Milena.
– Então, tia?
–…
– Passa as férias na residência dos pais. Anda chorosa pelos cantos, pois não sabe até quando a vaga será paciente com o fantasma que assassinou o chefe.
– Izabeli é inocente, Milena?
– Tia, a julgar pelos depoimentos coletados pela polícia, não coloco a mão no fogo por nenhum dos sete implicados. No depoimento do senhor Donato, por exemplo, Izabeli seria a ‘sobremesa’ do chefe. Afirmou ter escutado do próprio chefe e que contou para Izabeli. Desfeita ao ouvir, pois nutria profunda afeição pelo “canalha”, acrescentou que ele, no além, conheceria quem fizesse piruetas melhor.
– Ameaçou-o.
– Sim.
– Continue, Milena.
– Izabeli, convocada para se explicar, disse que o senhor Donato substituiu as palavras dela. Havia dito que, na festa de despedida, o chefe seria esculachado pela injúria.
– Retificou.
– Sim. Indagada se suspeitava de alguém, lembrou-se de que o senhor Irlando era o mais antigo dos auditores e o considerava o mais competente. Porém, o chefe tratava-o como estagiário e assim não era gratificado como os demais. Revelou sentir por aquilo. O senhor Irlando, ao ser convidado, disse que era verdade que o chefe o tratava como estagiário e não o gratificava. Sabia inclusive a razão. Porém, não via naquilo motivo para assassiná-lo, até porque sentia dó do infeliz: altamente incompetente e empenhado baba-ovo da diretoria da empresa. Perguntado se saberia informar em que gaveta o frasco do veneno poderia ser encontrado, respondeu que garantidamente na gaveta da mesa dele não encontrariam. Porém, se vasculhassem as gavetas da carteira do senhor Donato, talvez obtivessem êxito. Pois, por indicação do chefe, o senhor Donato fora de modo vergonhoso substituído pelo jovem Moscafa, recém-contratado pela empresa. Referia-se a memoráveis festinhas mensais, tia. Cujas preliminares da bacanal iniciavam-se nas dependências da empresa. Talvez nada significasse ou significasse alguma coisa, acrescentou. Ou talvez a suspeita maior estivesse no testemunho da senhora Inalba. Tinha conhecimento do que essa colega havia captado no diálogo acontecido entre Gernusa e Doroteia numa recente manhã do dia, inclusive, seguinte de uma das festinhas. No entanto, se a revelasse talvez não soasse com a mesma autenticidade. Então, tia, a senhora Inalba, ao ser convocada, contou que Gernusa e Doroteia não tinham percebido a presença dela no reservado. Então escutou Gernusa sussurrar que Moscafa estava “fulo”, o chefe havia se aproveitado dele. Deveria ter acontecido no momento em que se ausentaram da festa. Moscafa reconhecia o estado de embriaguez coletivo. Mas não perdoava a atitude do chefe. Jurava que os dias do chefe estavam contados.
– Por favor, Milena, para um bom entendedor, meia palavra basta. Isso é surreal: o chefe “papou” o Moscafa.
– Repito o que ouvi, tia.
– Que empresa é essa, Milena?
– Conceituada empresa de auditoria, tia.
– Continue, Milena.
– Gernusa e Doroteia foram intimadas e ouvidas. Negaram a existência dessa conversa. Moscafa, por sua vez, ao ser convocado, sorriu. Disse que a sua contratação não fora por acaso e apresentou um relatório supostamente aprovado pelo chefe que apontava a senhora Inalba como coordenadora de um esquema de esquentamento de empresas em processo de falência. Ainda garantiu que o depoimento da senhora Inalba, fora preventivo.
– Que rolo, Milena.
– A conceituada empresa de auditoria não se manifesta sobre o assunto, tia. Apenas instalou câmeras de segurança no respectivo setor. Caso existissem, captariam, sem dúvida, quem adentrou a sala do chefe e sugeriu-lhe o café que o vitimou.
– Izabeli que aguarde a conclusão do inquérito.
– Paciência que a vaga certamente não terá, tia. No laudo do inquérito policial, consta que o chefe fora visitado por um fantasma. Ou seja, tia, crime de difícil elucidação.

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