ABUTRES, ENDEMONIADOS OU ...

− Abutres, endemoniados ou descontrolada guerra espiritual, tia?

− ...
− Conflitos e conflitos, tia. Entre as nações, nas nações, no ambiente público, no ambiente de trabalho. Na vizinhança, na família. Enfim.
− Não pra menos, Milena.
− Certo título, cujo nome agora não me recordo, o autor, no prefácio, teoriza dizendo que vivemos a própria vida, porém controlada por espíritos de vidas passadas e presentes os quais vigiam e manobram conforme heranças tenham ficado e conforme atitudes praticadas no dia a dia. No entanto, questiona: quando a perseguição teria iniciado? Respondendo, diz que, nos primórdios tempos, assim que a primeira injustiça foi cometida e o primeiro crime praticado. Então, ainda segundo o autor, se desde os primórdios tempos houvesse una árvore genealógica cuidadosamente escrita e a cada milésimo de segundo atualizada, muitas coisas seriam evitadas. O turista, por exemplo, teria certeza onde pisaria. Certos trastes não estariam no poder. Nem muito menos certos trastes não seriam considerados sumidades. Casamentos e ou relacionamentos que culminam em tragédia seriam evitados.
− Mas a árvore genealógica que serviria de alerta de possível vingança não existe, Milena.
− Não só serviria para observação de vingança, tia. Também serviria para construção de bonança. Porém, o autor do mencionado trabalho o direciona apenas para explicar a origem do caos. Mas também, tia, a causa da instalação do caos pode ser vista através dessa ótica: A jovem X, após ter deixado o cafundó onde residia, na esperança de ser modelo, fora na primeira tentativa rejeitada. Pois tinha feia mancha sobre o peito esquerdo. No entanto, a desilusão não a estimulou de retornar para o cafundó de onde viera. Como não estava desprevenida, alugou um quarto de pensão com propósito de procurar outra atividade e assim tocar a vida pra frente. Então, tia, ela, ao colocar as roupas no armário, leu o difícil poema que estava gravado em uma das prateleiras. Assim dizia:

“VOCÊ É VOCÊ!

O SOL!

O RIO!

O MAR!

A FLOR!

A PUJANÇA!

VOCÊ É VOCÊ: TAL QUAL A DANÇA!

O ESCURO DA NOITE!

O AÇOITE DA FOICE!

A PONTA DA LANÇA!”

− Que poema é esse, Milena?!
− Ouça. Leu e releu e nada entendeu. Porém ficou fascinada. Quando a companheira de quarto chegou, indagou-lhe se sabia decifrar aquele poema, pois havia controvérsia nas estrofes. A companheira disse que se tratava de um poema demoníaco, uma vez que, pacto firmado, a ascensão estaria garantida. Ela, que não se atrevesse em firmar o pacto. Residia naquela pensão há mais de vinte anos e conhecia muitos que galgaram o sucesso através daquele incentivo. Como também conhecia histórias desagradáveis que envolviam não só quem praticara o pacto.
− Que seria herança.
− Perfeitamente, tia. O pacto era único, atendia gêneros e exigia obstinação. Mirava−se no espelho por longo tempo e convencido de ser aquilo o que realmente almejava, socava−o. Sangue fatalmente fluiria, ocorrendo, o pacto estaria firmado. Quando a prenda exigida havia opção ou fazia sexo com um cachorro…
− Por favor, Milena.
−… entre as dez horas ao meio−dia, na movimentada Avenida Universo. Ou caminharia os quinhentos metros da mencionada avenida completamente despida. Sapatos vermelhos, salto alto, jarro de flores vermelhas na cabeça e um espanador enfiado no… anu.
−… Milena…
− Resumindo, tia. A senhorita X comprou um espelho bem como os apetrechos. Portanto, tia, acho eu que, quem possui feia mancha no peito esquerdo, está habilitado para aceitar e a praticar todo tipo de sugestão gangrenosa. Está habilitado para servir ao absurdo o que fatalmente resulta em discórdia e conflitos. Entre as nações, nas nações, no ambiente público, no ambiente de trabalho. Na vizinhança, na família, enfim.
– Abutre, Milena?
– Certamente, tia.

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